Há muito espero pelo beijo

Há muito espero pelo beijo

Prometido afinal com desdém

Alguém de mim anda a fugir

Promete vir e não vem


Atrás dessa promessa fria

Na esperança vaga do desejo

Vou perdendo o que me cinge

Ao infinito em que me vejo


Abro os olhos, interrogo

Tudo o que passa por mim

A luz, o pó, uma andorinha

O aroma distante de um jardim


Onde está essa voz, esse mistério?

– pergunto às vezes quase a medo –

Essa esfinge imortal de que é feita

A sobra amarga de um segredo?...


A noite é fiel companheira

Prende-se agora à minha dor

Aliada ao silêncio do Poeta vai dizendo:

Ó meu pobre sonhador...


Procuro por aí e não te encontro

Numa sensação absurda e triste

Por seres a minha realidade

Aquela que se vive e não existe


Cá fora uma noite fria

Inspiro os ares da Natureza

Dizias palavras de amor

Mas sem alma e sem grandeza


Falavas-me quase à toa

E por pouco não te desnudavas

Era com essa doce provocação

Que sempre me desarmavas


Olho p'rá tua roupa

Ali caída no chão

E os meus cinco sentidos

Desobedeciam à razão


Andei a vaguear sozinho

Pensando na minha dor

Não sei bem se arrependido

Por ter acabado este amor


Pensei até voltar atrás

Pedir p'ra ser perdoado

Mas houve alguém que me disse:

Se voltas estás tramado!


Deambulei noite adentro

Curtindo o fel da minha dor

Acabei por me deitar

Amaldiçoando o amor


José Rodrigues Antunes

(n.1927)


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Silêncios Magoados
Volume 2